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Ainda sobre Tábata Amaral…

Fernandes Neto é advogado, professor universitário, sócio fundador da Fernandes Neto -advocacia associada. É mestre em Direito pelo Centro Universitário Christus (UniChristus), especialista em Direito e Processo Eleitoral (Unifor) e Direito e Processo Administrativos pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE (2019-2021). Escreve mensalmente para o Focus.jor.

Fernandes Neto
Post convidado
O sucedido na votação de deputados federais em contraposição às orientações partidárias na reforma da previdência brasileira, notabilizado pela figura da deputada Tábata Amaral (PDT/SP), apesar de recente, já não se estampa nos mass media. Foi suplantado pela indicação de Eduardo Bolsonaro à Embaixada Estadunidense, pelas queimadas da Amazônia e no embate presidencial com Macron, eleições argentinas… e aí vai…. Nada mais comum em tempos online.
Ousa-se, pois, retroceder ao episódio político, para refletir sobre a existência dos movimentos suprapartidários no universo político nacional, especialmente após as manifestações públicas de 2013.
Os movimentos RenovaBR, Acredito, Livres e MBL, nas eleições de 2019, elegeram, juntos, 28 parlamentares, incluindo Câmara Federal, Senado e assembleias legislativas. Partidos tradicionais, como o PSDB e o DEM, escolheram 29 cada um para a Câmara Federal. Entrementes, o PDT conduziu 28 deputados federais. Entre os integrantes dos quatro movimentos, além de senadores e deputados estaduais, foram 12 deputados federais – índice superior ao de partidos como Novo, PPS, Psol, PTB, Podemos, PCdoB , PROS, PSC e outros grêmios com atuação constante.
RenovaBR, Acredito e Livres se expressam suprapartidários. Suas agendas, aparentemente, não conflitariam com as  partidárias. Infirmam, assim, a ideia da intermediação Estado/Povo, oferecendo-se, apenas, como formadores de novos quadros a serem aproveitados politicamente pelos partidos. Os movimentos exerceriam funções abdicadas na práxis pela maioria dos partidos políticos nacionais – a captação, formação de quadros e a renovação política.
A fenomenologia não é inteiramente desconhecida, pois as influências de grupos externos ao parlamento sempre foram evidentes. O atual padrão, no entanto, reserva uma especificidade: a prevalência da vinculação dos parlamentares aos movimentos políticos em detrimento dos partidos. A constatação da manutenência da vinculação ideológica do eleito aos movimentos formadores veio a lume, com a reação partidária, no caso, a do PDT, que, por meio de seu maior líder, Ciro Gomes, veementemente, asseverou que Tábata Amaral  pertence a um “partido clandestino” e exerce “dupla militância”.
O Movimento Acredito, por sua vez, reagiu, expressando um compromisso assinado com vários partidos, dentre eles o PDT de São Paulo, onde exige liberdade de atuação e reconhecimento da vinculação no “Acredito” aos candidatos emprestados. Em resposta ao episódio, Tábata Amaral (PDT) e Felipe Rigoni (PSB) protocolizaram um projeto de lei, na expectativa da redemocratização interna dos partidos, denunciando a permanência “eterna” dos líderes nas direções partidárias.
Ao que parece, todos têm razão, pelos menos, parcialmente. A ausência de democracia do interior dos grêmios partidários é patente no modelo político brasileiro, que se utiliza da garantia constitucional da autonomia partidária na criação de seus estatutos, para restringir às cúpulas as deliberações de maior relevo, especialmente, a seleção das candidaturas e a utilização dos fundos públicos destinados a financiar o processo democrático. Os filiados, por sua vez, não têm voz nem vez, pois, sequer opinam na escolha dos seus líderes e candidatos – não se realizam prévias.
O modelo concentrado de partidos de chefes já é denunciado pela Ciência Política, desde o início do século imediatamente anterior, especialmente com Robert Michels, que escreveu sobre a Lei de Ferro das Oligarquias(1914), sem êxito no modelo nacional. É paradoxal conceber a ideia de que a via constitucional escolhida para a democracia é antidemocrática.
De outra parte, os movimentos políticos pretendem representação pela via partidária emprestada, malgrado se denominarem suprapartidários, fugindo das restrições legais impostas aos partidos e por estes, inclusive a de natureza ideológica, como ocorreu na votação da previdência. Não se submetem às regras de financiamento político, recebendo diretamente financiamento privado, inclusive de empresas particulares, até mesmo transnacionais; não se obrigam em prestações de contas anuais e de campanha eleitoral junto à Justiça Eleitoral, tanto de valores públicos como privados, recebidos pelas agremiações; não estão condicionados à manutenção das filiações partidárias, à realização das convenções; não se moldam às regras restritas de criação dos partidos; tampouco são submetidos às normas da pré-campanha e da peleja eleitoral.
Os movimentos suprapartidários gozam da liberdade de atuação, garantem proeminência política aos seus associados, que, emprestados às agremiações partidárias, permanecem outsiders. Os partidos se submetem aos candidatos populares desvinculados ideologicamente, pois, de há muito, relegaram a missão constitucional de constituir e selecionar lideranças, concentrando a atuação ao projeto de poder e da formação de governos.
Os movimentos políticos são importantes à democracia e permeiam o ideário da teoria da democracia participativa. Carole Pateman (1992) assevera que […] provoca um efeito psicológico sobre os que participam, assegurando uma inter-relação contínua entre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes psicológicas dos indivíduos que interagem dentro dela”.
Os movimentos suprapartidários, contudo, negam  a lição de Sheth (2002), de que a democracia participativa em sua atividade busca de modo mais amplo a mutação da política e suas consequências sociais e “[…] não como um meio para competir com os partidos políticos no âmbito da política da democracia representativa, para conquistar o poder estatal.”
Os movimentos políticos, caso pretendam exercer influência ideológica e política nas searas de poder, devem, obrigatoriamente, se lançar como partidos, submetendo-se à legalidade, aos benefícios e restrições impostas pelo arcabouço normativo, demostrando seu distinguishing, sujeitando-se ao juízo popular, pois, como assentou Bobbio (2015), o futuro da democracia é uma defesa das regras do jogo.

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