Pesquisar
Pesquisar
Close this search box.

Advogar! Por Raquel Machado

Raquel Cavalcanti Ramos Machado é advogada, mestre em Direito pela UFC, doutora em Direito pela USP, professora de Direito Eleitoral e Direito Administrativo da UFC e Visiting Research Scholar da Wirtschaftsuniversität, Viena, Áustria. Chefe do Departamento de Direito Público da FD-UFC. Professora-Orientadora do Grupo Ágora (UFC).

Por Raquel Cavalcanti Ramos Machado
Post convidado

Conflitos, dúvidas, planejamento, lutas e sonhos são os ingredientes diários do trabalho do advogado. Para exercê-lo, os conhecimentos técnicos são apenas a premissa inicial. É preciso reunir ainda habilidades de psicologia, estratégia de guerra, conciliação de interesses, arquitetura das normas jurídicas, oratória e uma certa teatralidade emotiva.

Advogar tem sido cada vez mais desafiador.  São já inúmeras as dificuldades tradicionais: nem sempre os clientes reconhecem os esforços de anos na condução de um processo; muitos juízes dispensam aos advogados um tratamento não condizente com a dignidade da profissão; os colegas, às vezes, atuam sem ética, desvalorizando a atividade; a sazonalidade das demandas requer um planejamento econômico de responsabilidade redobrada; o trabalho exige, em várias ocasiões, reclusão, leitura e escrita, o que pode parecer chato a muitas pessoas, etc. Outros desafios têm se acrescido nas últimas décadas, como o aumento da concorrência pelo número elevado (excessivo digamos) de profissionais formados, e a necessidade de uma busca mais profunda e quase desumana de saber diferenciado, ante a possibilidade do uso da inteligência artificial e das diversas ferramentas tecnológicas na elaboração de defesas, muitas vezes substituindo o profissional.

São 1,1 milhão de advogados. 15 Maracanãs lotados. Um para cada 190 habitantes. Precisamos de tantos? Os desafios referidos e esses dados amedrontam ou banalizam a advocacia? Como se preparar para o futuro?

De tantos e tantos advogados inscritos na Ordem, certamente poucos detêm pendor para se perpetuar no mercado, unindo conhecimento técnico e habilidade social capazes de manter clientes e convencer julgadores com o saber. Há, ainda assim, um imenso trabalho a ser realizado de permanente atualização e qualificação dos advogados já em atuação. Vale a ideia popular: “um bom profissional sempre terá mercado, qualquer que seja sua profissão”. De todo modo, a formação jurídica em um país tão carente da concretização de direitos como o Brasil é alimento cultural e não fator de depreciação.

A própria Ordem dos Advogados do Brasil é ambiente carente de aperfeiçoamento jurídico pela construção de diálogo entre advogados. Da transparência na gestão das verbas recebidas à igualdade de gênero e racial na atuação profissional há um longo caminho a ser construído dentro da instituição.

Os conflitos e erros humanos são tão inovadores quanto são variados a própria personalidade do indivíduo e o universo renovado do desejo a ensejarem demandas correntes com que lidar. Os computadores processam dados com máxima abrangência e rapidez, mas lhes falta a luz criativa que só o espírito humano é capaz de produzir catalisado pelos sentimentos, motivo pelo qual o advogado do futuro, se quiser se manter além da máquina, terá de exercitar competências semelhantes às do artista. Portanto, conhecer normas jurídicas apenas jamais será suficiente. É necessário se nutrir de literatura, e de demais manifestações artísticas que o capacitem a criar.

Se as palavras consagradas nas normas permitem dúvida e desentendimento, possibilitam também elo e resolução. Entre os excessos de acusações e anseios das partes, cabe ao advogado batalhar pelo justo caminho a ser vivido por seu cliente, seja na composição ou na luta pelos direitos. Esse trabalho é de relevância não apenas individual, mas social, à medida em que se trata da defesa da liberdade, e, consequentemente, de um valor essencial à democracia. Um bom advogado, portanto, nunca será banal, por mais numeroso que seja o mercado de profissionais.

Enquanto houver um coração a ser comovido, uma mente a ser acordada, e debates sendo travados entre humanos sobre quaisquer questões e bens disciplinados em normas jurídicas, o advogado tem um papel a desempenhar na defesa individual e social. Basta contemplar a Constituição Brasileira para perceber: há uma realidade a ser construída, e os advogados são personagens centrais na vivência desse novo mundo que parece utópico, mas que lentamente, entre caos e cosmos, pode ser implementado.

Leia Mais
+ A advocacia e a Lei Geral de Proteção de Dados, por Eugênio Vasques

+ Ubi societas, ibi jus digital. Por André Parente
+ O sentinela do seu direito, por Fernando Férrer

+ A importância da advocacia na construção legislativa, por Uinie Caminha
+ O que esperar da advocacia atual. Por Marília M. Peixoto do Amaral
+ A “adaptabilidade” do advogado, por Andrei Aguiar
+ O “aprendizado de máquina” na nova advocacia, por Frederico Cortez

Mais notícias