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Advocacia é empresa, por Uinie Caminha

Uinie Caminha é advogada. Sócia de BMC Advogados. Doutora em Direito Comercial pela USP, professora Titular da pós-graduação da Unifor e Adjunta da Universidade Federal do Ceará. Escreverá mensalmente para o Focus.jor.

Uinie Caminha
Post convidado
Para o Código Civil Brasileiro, empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Assim, tem-se que aquele que trabalha produzindo ou fazendo circular bens, ou ainda prestando serviços com fins econômicos de maneira organizada, é empresário, por definição. Paradoxalmente, a mesma Lei da qual consta o conceito de empresário excepciona determinadas profissões: aquelas de cunho intelectual, que, apesar de terem objetivos econômicos, não seriam empresa, a não ser que tivessem organização empresarial.
Especificamente com relação ao exercício da advocacia, trata-se, sem dúvida, de atividade empresária por natureza. Oferta-se de forma onerosa um serviço aos clientes. Todavia, por ser um serviço intelectual de natureza científica (respeitadas as opiniões – inclusive a minha pessoal, em contrário), não se enquadraria nesse conceito.
Mas não é apenas a letra do Código Civil que se apresenta como empecilho à caraterização da advocacia como empresa. A regulação da ordem dos Advogados do Brasil tem, em várias de suas disposições sobre o exercício da profissão, obstáculos atualmente intransponíveis para o reconhecimento da empresarialidade dessa atividade. Há tanto aqueles de ordem formal, como o impedimento de a sociedade de advogados se constituir como sociedade empresária, como de ordem material, se consideramos as restrições severas à publicidade, por exemplo.
Noto que no Brasil, diferentemente de outros países, temos uma tendência injustificada a considerar determinados serviços quase como sacerdócios: médicos, professores e, também, advogados são vistos de maneira um tanto romântica quando o que fazem é prestar serviços a clientes. Devem fazê-lo com excelência, de modo que possam manter aqueles que os contrataram e ainda terem boas referências para angariar tantos outros. Nada mais empresário que isso.
Muito além do conceito abstrato, essa ideia poética de advocacia impede que sociedades de advogados se utilizem de mecanismos úteis a outras empresas, tanto do ponto de vista jurídico, quanto econômico. Um exemplo simples é o fato de que uma sociedade de advogados em dificuldades financeiras não pode se socorrer da recuperação judicial – tutela exclusiva a empresários e sociedades empresárias, e ainda não pode ter sócios investidores, não advogados, que pretendam receber frutos do capital investido no trabalho alheio.
Interessante que outras empresas citadas (de serviços médicos ou educacionais), podem contornar as restrições estabelecidas pelo Código Civil organizando-se de maneira profissional. Hospitais, laboratórios, escolas e universidades podem, assim, constituírem-se como sociedades empresárias e, inclusive, captar recursos no mercado de capitais. Isso é possível para sociedades de advogados em outros países, como a Inglaterra onde há escritórios listados em bolsa de valores.
Existem grandes escritórios de advocacia no Brasil que, materialmente, são empresas. Têm administradores profissionais, setores que não se relacionam diretamente com a prática jurídica, como TI e RH, dispensam a pessoalidade na prestação dos serviços e ainda se utilizam de robôs e algorítmicos para a prática de sua atividade fim.  Portanto, as restrições à organização empresarial da advocacia não têm relação com a natureza da atividade, nem com qualquer ética especial da profissão, mas apenas com uma regulação de classe que, entende-se, deve ser revista. Isso seria um bem não apenas para a própria advocacia, que precisa encarar a modernidade com mais simpatia, como para o consumidor desses serviços.
Advocacia é empresa sim. E deve estar no Mercado. Este dia da criação dos cursos jurídicos no Brasil – normalmente referido como Dia do Advogado, é uma boa ocasião para refletirmos sobre isso.
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