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Acima dos 100%. Por Igor Lucena

Articulista do Focus, Igor Macedo de Lucena é economista e empresário. Professor do curso de Ciências Econômicas da UniFanor Wyden; Fellow Associate of the Chatham House – the Royal Institute of International Affairs  e Membre Associé du IFRI – Institut Français des Relations Internationales.

Para a maioria dos países do chamado G20, o grupo das maiores economias do planeta que conjuntamente representa aproximadamente 85% de todo o produto interno bruto mundial, o patamar da dívida pública das nações sempre foi um elemento de preocupação não apenas para os governos, mas também para os investidores que buscam alocar seus recursos em nações que sejam fiscalmente responsáveis; ou seja, que tenham capacidade de honrar os pagamentos de juros dos seus títulos de dívidas para os credores.

Até o início deste século, tanto para as nações em desenvolvimento quanto para os países do primeiro mundo, a marca de dívida pública dos 100% da razão dívida/PIB sempre foi considerada uma espécie de tabu, ou em muitos casos uma espécie de “point of no return”, em que as nações poderiam mais facilmente perder o controle de suas finanças públicas, o que poderia causar uma pressão sobre os títulos da dívida e uma maior incapacidade de financiamento público. Alguns casos especiais se mostravam fora dessa visão, como ocorria no Japão ou na Itália, no continente asiático e europeu, respectivamente.

Contudo, com a crise da Covid-19 e a necessidade de os Estados financiarem a sobrevivência de uma grande parcela da população e de suas empresas, vários países, inclusive o Brasil, devem alcançar a marca de 100% da razão Dívida/PIB ou podem até superá-la no início de 2021. Nesse caso, devemos inferir que a maioria das nações estará próxima a uma insolvência fiscal? A resposta é não, contudo o porquê disso é um pouco mais complexo.

Em primeiro lugar, as taxas de juros foram ‘derrubadas’ em quase todos os países do mundo a níveis tão baixos que o custo do serviço de pagamento de juros das dívidas também se reduziu fortemente, tornando mais fácil para que as nações viessem a se endividar mais. Além disso, os Bancos Centrais da Zona do Euro, dos Estados Unidos, da Inglaterra, do Japão e de outras nações passaram a comprar títulos do Governo e de empresas privadas, injetando uma quantidade maior de liquidez na economia real e ao mesmo tempo diminuindo a pressão de investidores externos por taxas de juros mais atraentes; ou seja, os Bancos Centrais interviram diretamente no mercado da oferta e da demanda dos títulos públicos.

Com tal situação, aliada a um considerável aumento dos gastos dos governos, ocorre hoje dentro das economias liberais uma vultosa quantidade de recursos financeiros que procuram alocações cada vez melhores, o que faz com que o mercado de ações do mundo inteiro esteja se valorizando, vide o exemplo da manutenção do índice Ibovespa acima dos 100.000 pontos. Nesse contexto, a valorização das empresas impulsiona os chamados IPOs e novas rodadas de ofertas de ações em empresas já listadas, que buscam atrair tais recursos para expandir seus negócios, seja com a abertura de novas fábricas, produção de novos produtos ou mesmo para adquirir concorrentes para aumentar os ganhos em escala.

Esse volume de recursos, que passa do setor público ao setor privado, deve alavancar as economias nos próximos meses, principalmente após o início da vacinação em massa, seja por meio das pesquisas de Oxford, da China ou da Rússia. A partir daí, com uma enorme liquidez no planeta, com captação de recursos no mercado acionário, baixas taxas de juros e uma política fiscal e monetária coordenada, o efeito deverá ser o crescimento econômico de quase todas as nações do G20 em 2021 e em 2022, tudo isso se não ocorrerem novas desventuras na saúde pública.

Dito isso, o efeito prático sobre os investidores é de que o valor de 100% da razão Dívida/PIB entre as nações economicamente avançadas e em desenvolvimento deve deixar de se tornar um tabu, deixando de ser uma espécie de teto para virar um piso, ou pelo menos um número que se tornará aceitável para os investidores, tendo em vista uma nova conjuntura das finanças mundiais no pós-Covid-19.

Apesar de tudo, existe uma máxima sobre a dívida pública que continuará a ser uma regra que deve guiar nossos representantes: “a dívida pública não deve assustar pelo seu tamanho e sim por sua trajetória.” Ou seja, podemos sim conviver com uma dívida pública acima dos 100% do PIB, desde que nossa taxa de crescimento anual seja superior à taxa do ‘déficit’ anual; ou melhor, que possamos voltar a ser capazes de gerar um crescimento anual positivo, acompanhado de um superávit fiscal. Dessa forma, manteremos nossa solvência e nossa credibilidade econômica internacional. É o que desejamos para o Brasil!

 

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