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A UFC entre as melhores, por Paulo Elpídio de Menezes Neto

Paulo Elpídio de Menezes Neto, articulista do Focus.jor, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação, Rio de Janeiro; ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC; ex-secretário de educação do Ceará.

Do “capital humano” à sociedade do conhecimento: o desafio da avaliação do ensino superior

A notícia é alvissareira. A Universidade Federal do Ceará está classificada entre as quatro melhores universidades brasileiras, ao lado da Universidade do ABC, Universidade de São Paulo – UNIFESP, e a Universidade 9 de julho. Três universidades do estado de São Paulo, das quais duas públicas (uma estadual e uma federal) e uma privada. A USP, a UNICAMP  e a UFRJ não figuram nessa lista. A UFC é referência como a primeira universidade do Nordeste.
O ranking mencionado foi definido pela “Times Higher Education: the University impact Rankings 2019”, de acordo com os “objetivos de desenvolvimento sustentado das Nações Unidas”. A pesquisa baseia-se em indicadores calibrados para fixar referência metodológica comparativa entre três áreas: a pesquisa, a prestação de serviços e o gerenciamento de recursos. O trabalho de classificação com base na mensuração de itens não se  limita aos parâmetros tradicionais de avaliação, como a Pesquisa, Internacionalização, Inovação, Ensino e Mercado. Antes, desvia-se deles, preterindo as condições essenciais que definem o que muitos especialistas chamam de “economia do conhecimento”, em favor de uma perspectiva social pela qual a universidade tem como primeira obrigação cuidar do seu papel na administração dos “impactos” que a sua ação pode exercer sobre a sociedade. Essa tarefa, em verdade, não lhe cabe, não é de sua índole. Incumbe às as fontes que as financiam, se pública o Estado, se privada os investidores.
Prestação de serviços e construção de conhecimentos: uma questão de método
Em uma palavra, as Nações Unidas privilegiam a inserção social da universidade, a partir da noção de “sustentatibilidade”. É o que se pode depreender da análise dos “objetivos de desenvolvimento sustentado”—SDGs (“United Nations Sustainable Developpment Goals”): saúde e bem-estar; qualidade da educação; igualdade de gênero; trabalho docente e crescimento econômico; indústria, inovação e infraestrutura; redução de desigualdades; cidades e comunidades sustentáveis; consumo e produção responsável; ação climática; paz, justiça e instituições fortes; associação para alcançar os objetivos.
As questões essenciais associadas ao mérito acadêmico e à relevância da pesquisa, no capítulo da produção, conservação e transmissão do conhecimento assumem posição secundária entre os objetivos da pesquisa. A universidade passa a ser avaliada predominantemente na perspectiva da sua função social, das ações e compromissos que lhe são atribuídos. Caberia justamente ao Estado implementar e dar-lhes substância. Dir-se-ia que a universidade não espelha o perfil de uma agência de desenvolvimento; é, antes de tudo, uma instância aprovisionadora de conhecimento e saberes pertinentes e úteis, quanto não indispensáveis.
A avaliação da educação superior na América Latina e no Brasil
A avaliação do ensino superior, ainda que não se deva cingir ao que faz e produz a universidade, engloba naturalmente o acompanhamento das condições prévias de que ela, professores e pesquisadores, devem dispor para que assim trabalhe e labore, missão a que não haverá de faltar o necessário provimento das capacidades científicas e culturais.
A avaliação, como processo e atividade sistemática é recente no Brasil e na América Latina. A elevação dos gastos com a educação, mormente a educação superior, no decorrer das últimas décadas, com a crise do Estado de bem-estar social, e a redução dos meios de fomento e o incremento de demandas crescentes por educação, em seus aspectos múltiplos (profissões liberais, pesquisa básica e aplicada, o surgimento de novos campos profissionais) — impuseram controles mais efetivos nos dispêndios na área de educação, em todo o mundo. Na América Latina, as avaliações (accountability) dos sistemas educativos nacionais surgiram por volta dos anos 1980/90. No Brasil, o “I Congresso Internacional sobre Avaliação do Ensino Superior”, realizou-se em Brasília, promovido pela Secretaria de Educação Superior do MEC, empreendimento a que me associei quando seu secretário nacional.
Até então as universidades públicas, federais, recorriam a práticas improvisadas de auto-avaliação, parâmetros definidos por elas próprias ou pelas matrizes desenhadas pelo Ministério de Educação.
Nos Estados Unidos, na Inglaterra e em alguns países da União Europeia essa prática disseminara-se há algumas décadas, ordenada, via de regra, e executada por instituições externas independentes, dissociadas das engrenagens dos governos do Estado. No Brasil, só há muito pouco tempo surgiram iniciativas fora do território da instância pública com essas características. Hoje, numerosas entidades, empresas, ONGs, e organizações assemelhadas atuam nesse competitivo mercado da avaliação. E concorrem com os setores públicos que continuam a realizar suas avaliações quando não as contratam para com idêntica finalidade.
A teoria do Capital Humano e a globalização da educação
Falava-se pelos anos 60 de “capital humano”, segundo concepção desenvolvida por Theodore Schultz (“O valor do Capital Humano”, 1963; e “O Capital Humano, investimentos em educação”, 1971) e Charles A. Myers (“Educacão, mão-de-obra e crescimento econômico”, 1965. Nesse período e nos que o seguiram imediatamente, as despesas públicas com educação e os investimentos privados no setor, em muitos países, induziram à criação de estratégias de planejamento e de avaliação de custos e investimentos e dos resultados alcançados.
Em países em que o Estado assumira o papel de fonte educadora-provedora, a adoção desses controles paradoxalmente  tardaram a chegar. Outros, nos quais a iniciativa privada ocupara lugar mais relevante na atividade educacional, desenvolveram processos mais efetivos, et pour cause, de gerenciamento de seus investimentos no setor e de verificação e mensuração mais estrita dos resultados encontrados.
Para tanto, foram por eles utilizados indicadores bem definidos que pudessem espelhar a relação custo-benefício, do ponto de vista da produção e renovação de conhecimento, da pesquisa básica e aplicada e do ensino, a partir de necessidades econômicas, sociais e científicas reconhecidas.
A educação superior, por situar-se em um plano no qual se conectam, de forma mais visível, a formação profissional, a pesquisa aplicada, o mercado de trabalho, e as demandas da economia, ganhou maior visibilidade, do ponto de vista estratégico. Os níveis que a antecedem, no processo de educação formal, embora ocupem posição originariamente vital, não atraem, com a mesma importância,  as vistas dos formuladores das políticas públicas ou dos atores privados que atuam na economia e, consequentemente, no mercado.
No passado, a educação superior desempenhava o papel de matriz reprodutora de valores na formação de recursos humanos. Já no final do século XX, ela passou a exercer função exponencial na criação de conhecimentos requeridos pelo mercado (Claudio Rama, “La tercera reforma de la educación superior en América Latina”, Buenos Aires, 2006, LINKS).
Transitamos sem maiores adaptações da ideia de “capital humano”, segundo a concepção de Schultz, cuja atenção se voltava para explicar os ganhos de produtividade gerados pelo fator humano na produção, para uma dimensão mais ampla e envolvente, a de uma “economia do conhecimento” em uma sociedade globalizada. A universidade, como instituição de ponta no processo de educação superior, pela sua natureza multidisciplinar,  tornou-se, assim, marco essencial em uma sociedade do conhecimento.
A educação superior além de prioritária na produção, conservação e transmissão de conhecimento, transformou-se, queiram ou não os agentes de ideologias perseverantes, em uma mercadoria, com demanda, exigências de qualidade e preço no Mercado.
O termo “economia do conhecimento” foi delineado originalmente por Peter Drucker (“A era da descontinuidade”, 1969); temo-lo, hoje, entretanto, como continuidade de uma “sociedade da informação”. Ainda que pouco teorizada, em termos sociológicos, pelo menos, a economia do conhecimento  ganhou o prestígio de moda midiática, na academia e na política, ainda que encontre resistências teóricas em alguns nichos politicamente mais relutantes. D. Bell e M. Castels, para citar dois nomes de prestígio, definiram a economia do conhecimento, em termos de conhecimento, em si, como principal fator de produção, e a tecnologia como seu recurso principal.
Por maiores que sejam as resistências radicadas entre teóricos e ativistas da esquerda e da direita e alguns grupos conservadores pouco informados para dar guarida e levar à pia baptismal esse campo novo de conhecimento – “a economia do conhecimento” – não há como resistir às tendências que se vão delineando. Não é a denominação de uma disciplina que dá forma à realidade; as teorias nascem provocadas de alguma forma pela realidade objetiva dos fatos e suas circunstâncias.
Retomando a pauta que serve de fundamento a estas considerações, a avaliação da educação superior e dos instrumentos institucionais que a servem (universidades, faculdades, ONGs, institutos profissionalizantes, aprendizados informais…) tornaram-se medida justa e acurada mensuração, estratégia essencial de uma economia do conhecimento. Impõe-se, contudo, que os veículos que a realizem assumam papéis autônomos, isentos e livres dos controles do Estado, na condição de que ganhem feições próprias de instrumentos externos de avaliação das políticas que estão sendo avaliadas. A ninguém é dado avaliar o próprio trabalho e dele extrair indicações úteis se não servir-se da visão isenta e distante de quem olha, analisa e interpreta – de fora ou ao largo dos compromissos compartilhados – a realidade observada.
Os rankings de avaliação da educação superior: o que cobram e o que dizem
Não são poucos os “rankings” construídos por instituições especializadas, a maior parte delas com atuação internacional.  Dentre as de maior importância figuram, pelo menos, oito entidades. Sem que entre elas se incluam órgãos governamentais nacionais e internacionais: governos, ONU, OCDE, UNESCO,União Europeia…  No Brasil, algumas iniciativas privadas merecem referência: a RUF-Folha, muito citada, “rankings”de entidades privadas de ensino, mantenedoras educacionais, sindicatos, corporações. Não seria apropriado mencioná-las aqui, tampouco de interesse imediato.
A UFC entre as melhores
Iniciamos este artigo com menção ao ranking produzido pela Times Higher Education, com o relatório referente a 2019, “The University Impact Rankings 2019: methodology”.  Descrevemos os seus objetivos em termos de avaliação da performance das universidades, dentre elas as brasileiras. Vimos que quatro delas se destacam como as “melhores universidades brasileiras”: a Universidade Federal do ABC, a Universidade Federal do Ceará, a Universidade Federal de São Paulo e a Universidade 9 de julho. Analisamos a metodologia utilizada e destacamos o quanto ela se diferencia do escopo das demais pesquisas realizadas, focadas predominantemente nas questões relacionadas com a pesquisa, internacionalização de programa, inovação, ensino e Mercado. Pareceu claro que esta pesquisa ( Times Higher Education, 2019) privilegiou aspectos predominantemente sociais, entre cujos objetivos figuraram a prestação de serviços e a gerência de recursos.
Não que as conclusões não devam ser consideradas, porém por exigirem análise crítica sobre prioridades que passam ao largo do que parece mais consentâneo com as tendências atuais inspiradas nos contenciosos teóricos e técnicos de uma economia do conhecimento.
Não há como medir a contribuição que a universidade brasileira presta à sociedade (povo, economia, demandas sociais e econômicas…) sem que possamos considerar os insumos dirigidos à pesquisa, à construção de conhecimento, sua conservação e adequado emprego nas fileiras de formação profissionalizante.
Nesse ranking surpreende que as universidades potencialmente mais produtivas do país (USP, UNICAMP, UnB, dentre outras) não figurem  nos rol anunciado.
De qualquer forma, a UFC saiu-se bem, conhecidos que são os pressupostos que cercaram a sua criação e o seu desenvolvimento, no campo da extensão, mas também no amplo terreno da pesquisa básica e aplicada e do cultivo do saber e das habilidades intelectuais. “O Universal pelo Regional”, de Martins Filho é a medida justa de uma política criativa, e traduz as ambições e  anseios de toda uma comunidade.
Avaliação mais ampla, realizada pela RUF-Folha, 2018, rompe o círculo fechado da “prestação de serviços” e do papel social da universidade, e dá-lhe dimensão mais ampla, a partir dos referenciais de uma sociedade do conhecimento e de sua complexidade.
De 198 instituições avaliadas pelo RUF-Folha 2018, a UFC desponta em 12o. lugar, atrás da Universidade Federal de Pernambuco (10o. lugar), mas à frente, bem à frente, das universidades federais, estaduais e privadas da Bahia, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Sergipe. As demais universidades cearenses, entre elas duas federais (Cariri e Redenção), além das estaduais e uma particular não tiveram o mesmo desempenho, classificam-se entre o 183o. lugar e o 57o. Mas não se trata de condenação sem recurso…

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