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A “taxa de conveniência” do ingresso on-line e o consumidor


Por Frederico Cortez
cortez@focus.jor.br
O Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma, proferiu um julgado sobre a ilegalidade da cobrança da “taxa de conveniência” em vendas de ingresso, na modalidade on-line. Apesar da decisão não ter efeito vinculante, acendeu um grande debate nas redes sociais com visões nos campos positivo e negativo acerca do fato.
Ontem,17, o jornal Estadão publicou em seu site um artigo de autoria de Gabriel Benarrós, fundador e CEO da empresa Ingresse.  No escrito, o executivo traz o seu conceito sobre a “taxa de conveniência”, mostrando como a “tiqueteira” (empresa que vende os ingresses por aplicativo ou site) entra no negócio da venda de ingressos. De acordo com Benarrós, as “tiqueteira” atuam tanto no fornecimento da tecnologia desenvolvida para que a comercialização ocorra em ambiente virtual, como também tem atuação no gerenciamento em todo o processo de compra, emissão e validação dos ingressos.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4º, I é claro ao elencar que determinada empresa não pode colocar o consumidor em situação de vulnerabilidade, ainda mais quando não há opções. No artigo, o próprio representante da empresa cita como exemplo a compra de um livro, onde pode ser feita pela internet ou o próprio cliente indo até a loja física. Destaque-se que essa faculdade não está disponível no serviço que sua empresa oferece ao consumidor. Ou ele paga a “taxa de conveniência” para ir assistir a determinado filme, peça de teatro ou show, ou então o consumidor não poderá usufruir desse lazer. No campo jurídico, essa conduta é denominada como venda casada “às avessas”, indireta ou dissimulada.
Gabriel ainda vai além, cita que outras empresas já aplicam uma “cesta de taxas” (taxa de retirada e taxa de impressão do bilhete) em seus aplicativos. Quem me garante que não serão criadas mais taxas? Como por exemplo uma “taxa de prioridade” ou “taxa de reserva prévia”, ou outro nome ou serviço a mais que podem derivar do serviço original, suponhamos.
Ao meu sentir, engana-se quem pensa que a decisão do STJ queira regular o livre mercado. Pelo contrário, o que ocorreu foi uma proteção ao cliente/consumidor, restabelecendo a paridade de armas entre fornecedor e consumidor no comércio de compras de produtos/serviços. No caso da empresa Ingresso rápido, para a ministra Nancy Andrighi restou claro o descompasso e a abusividade na cobrança pela “taxa de conveniência” na venda on-line de ingressos.  A venda casada e a sua falta de equivalência de serviços em face dos valores cobrados, caracteriza-se um desrespeito contra o direito do consumidor. Para a julgadora, “referida prática também abusiva consiste em se admitir uma conduta de consumo intimamente relacionada a um produto ou serviço, mas cujo exercício, é restringido à única opção oferecida pelo próprio fornecedor, limitando, assim, a liberdade de escolha do consumidor.”
A própria legislação consumerista (art. 39, IX do CDC) é clara ao garantir para o consumidor a compra direta nos prestadores de serviços (venda de ingresso de cinema), pois é ilegal fazer essa recusa e impor outro meio de pagamento pelo serviço ofertado, ainda mais onerosamente.  Cabe  ressalvar a exceção para os casos acobertados por uma lei específica, o que não é o caso. Imperioso destacar, que em apenas dois artigos do Código de Defesa do Consumidor, apontados na fundamentação da decisão pela ministra do STJ,  o poder de escolha do consumidor é uma viga-mestra na relação de consumo. O cliente não é submisso aos serviços ofertados pelas empresas, e sim o protagonista na relação de compra e venda. Esse é um dos pilares da economia liberal.
Quanto à linha comparativa em relação as taxas cobradas pelos aplicativos ifood e site Amazon, levantada pelo diretor da empresa Ingresse, há que ser fazer um recorte do ponto de vista prático e jurídico. Os dois serviços acima não colocam o consumidor nas cordas, isoladamente na relação comercial. O cliente tem a opção de não comprar, fazendo a negociação com outras lojas virtuais ou ir com suas próprias pernas na loja física e fazer a aquisição do produto ou serviço. Já em se tratando de um filme ou show, o consumidor não tem essa faculdade. Está em desvantagem e tem que submeter-se ao pagamento da “taxa de conveniência” para consumir o serviço.
Cediço para os empreendedores, que o lucro é a outra face da moeda para o investimento, estando afeita ao risco. Não há negócio com 100% de segurança, para isso a precificação o produto/serviço vem embutida com a taxa de lucratividade escolhida pelo (a) dono (a) do negócio. O lucro e os riscos andam paralelamente em todo empreendimento, seja em qualquer lugar do planeta numa economia capitalista. A lógica permite fazer uma digressão simplista pelo amor ao debate. Segundo o entendimento do CEO da Ingresse, quanto à possibilidade de transferência do custo pela venda  on-line para o consumidor, quem comprasse o ingresso também teria direito a participação no lucro daquele evento, uma vez que custeou por todo o serviço de venda do ingresso na modalidade on-line, assumindo de certa forma um risco. Sei que beira o absurdo, mas é o raciocínio mais claro.
No acórdão, a ministra enfatiza que a natureza da relação existente entre a “tiqueteira” e consumidor é de corretagem, onde o Código Civil de 2002, em seu art. 722, faz a devida conceituação, senão vejamos: “Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.” Nessa relação contratual há três figurantes, o incumbente (realizador do evento) e o corretor (intermediador-“tiqueteira”) que ficará com a incumbência de executar toda a cadeia da venda ( fornecimento da tecnologia, gerenciamento do processo compra, emissão e validação dos ingressos) do ingresso para o terceiro (consumidor), concluindo assim o negócio jurídico, tendo a “tiqueteira” comissão pelas vendas realizadas. Ao consumidor não resta questionar, pois não há relação contratual com o corretor.
O questionamento é importante e pertinente, não podendo ter a sua fundamentação flutuante em suas assertivas. Como muito bem nos ensinou o saudoso ministro Alfredo Buzaid: “Arrazoe quem quiser; articule quem souber“. No caso, sugiro ler a decisão judicial em sua íntegra, para então ter um juízo de convicção quanto ao caso formado, mesmo para aqueles fora da seara jurídica. O julgado é didático e claro, mesmo ladeado de termos e provérbios jurídicos. Assim, consta na própria decisão da ministra Nancy, que no contrato da realizadora do evento disponibilizado ao consumidor, não resta dúvida quanto à remuneração da “tiqueteira” por venda realizada, conhecida por comissão. A cláusula 4.1 que trata sobre a política de vendas, versa o seguinte: “em caso de arrependimento do cliente, o reembolso do valor do ingresso será efetuado, descontando as taxas de serviço (conveniência) e entrega (se houver)”. Resumindo, todo o custo e risco da operacionalização de vendas dos ingressos na modalidade on-line é transferido para o consumidor. Isso não faz bem para a livre concorrência, penso.
Inobstante ao caso particular, o livre mercado não pode ser manipulado. A livre concorrência tem que ser efetiva, dando ao consumidor opção de escolha. O empreendedor que cria e investe pensando na liberdade do consumidor, certamente estará à frente do seu concorrente.

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