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A requisição administrativa em meio à Covid-19, por Matheus Teodoro Santos

Matheus Teodoro Ramsey Santos é advogado, Sócio do escritório Torres & Teodoro Advogados. Mestre em Direito e Gestão de Conflitos (Unifor/CE). Conselheiro da Agência Reguladora do Estado do Ceará (ARCE). matheus@torreseteodoro.com.br. Escreve no Focus.jor.

Matheus Teodoro Santos 
Post convidado

Antes de falar sobre o instituto da Requisição Administrativa em si, necessário se faz contextualizar o surgimento do mesmo e, para tanto, precisa ser feita uma breve introdução das restrições do Estado na propriedade.

O primeiro ordenamento que tratou de limitações ao direito de propriedade foi o ordenamento francês, com a edição do Código de Napoleão, de 1804, que, em seu art. 544 previu, ao falar do direito de propriedade: “[tem o cidadão] o direito de gozar e de dispor das coisas de modo absoluto, contanto que isso não se torne uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos”. Ou seja, o legislador francês garantiu o pleno direito à propriedade privada – e a sua respectiva proteção -, até o momento em que o Estado proibir o exercício de tal direito. Para muitos juristas esse foi um dos principais marcos no surgimento do que hoje se conhece como função social da propriedade, que significa, grosso modo, que o solo urbano deve ser aproveitado adequadamente.

Pautadas na função social da propriedade, bem como na supremacia do interesse público sobre o interesse privado, surgiram as limitações administrativas, que, de acordo com a professora Di Pietro, “impõem obrigações de caráter geral a proprietários indeterminados, em benefício do interesse geral, afetando o caráter absoluto do direito de propriedade”.

Dentre tais limitações, merece destaque a requisição administrativa, que consiste no fato de o particular (pessoa física ou jurídica) estar obrigado a suportar a mitigação do seu direito de propriedade em prol da coletividade, ou seja, do interesse geral. A Constituição Federal de 1988 faz menção expressa a tal instituto, em seu art. 5º, inciso XX, que assim dispõe: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.

Do texto constitucional podem-se extrair os pressupostos que devem ser observados quando da requisição administrativa: a) o perigo público não precisa ser real, atual, basta a mera iminência, ou seja, é suficiente que seja um perigo próximo de acontecer; b) o poder público poderá usar – e não se se tornar “dono” – a propriedade particular, o que inclui bens móveis, imóveis e, até mesmo, serviços; c) a indenização vai ser ulterior, ou seja, o Poder Público só vai pagar eventual indenização após usar o bem; e d) somente será devida indenização se o particular sofrer algum dano.

No atual contexto o instituto da requisição está em alta dentre os instrumentos jurídicos à disposição do Poder Público, uma vez que se mostra uma medida célere, eficiente, e menos onerosa que uma desapropriação ou uma obra pública. Ou seja, tem-se uma série de benefícios que fazem da requisição a “bola da vez” dos governantes.

Não à toa, a Lei Federal n. 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento do coronavírus, em seu art. 3º, inciso VII, diz que as autoridades competentes poderão fazer a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa. A bem da verdade, o supracitado inciso consiste, basicamente, na repetição de uma norma de 20 anos atrás: a Lei Federal n. 8.080/1990 já prevê, em seu art. 15, inciso XIII, que todos os entes federativos poderão, para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização.

Para melhor elucidar o tema, tem-se alguns exemplos de requisições administrativas que ocorreram aqui no Estado do Ceará, que se dão, via de regra, através da edição de Portarias da Secretaria de Saúde: a requisição do Hospital Leonardo da Vinci; a requisição de 18 leitos de UTI junto ao Hospital Prontocárdio, para pacientes graves não contaminados por Covid-19; requisição de 200.000 (duzentos mil) máscaras cirúrgicas e 2.500 (duas mil e quinhentas) máscaras N95; requisição de todos os leitos, incluindo UTIs, do Hospital Batista Memorial.  Tais requisições se deram através das seguintes Portarias: 2020/282 (12.03.2020), 2020/410 (25.04.2020), 2020/289 (17.03.2020) e 2020/342 (06.04.2020), respectivamente.

Nota-se, por fim, que o instituto, de fato, vem desempenhando um papel de suma importância em meio à essa pandemia que atravessamos. Em especial no que diz respeito à estrutura hospitalar em si. E lembrem-se que, não existem soluções simples para problemas dessa ordem, o que faz com que o Poder Público adote, por vezes, atitudes que, para alguns, podem ser consideradas antipáticas em um primeiro momento, mas que, quando tudo isso passar, serão lembradas de forma positiva.

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