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A regra de Mandela e o sistema prisional brasileiro

Luciano Dantas Sampaio Filho, é advogado. Pós-graduado em Direito Processual Penal e Direito Penal pela Faculdade Damásio de Jesus. Diretor jurídico do escritório DS Advocacia.

Por Luciano Dantas
No início do mês de Janeiro de 2019, com o início do novo mandato do Governador Camilo Sobreira de Santana, foi nomeado para a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), o Sr. Luís Mauro Albuquerque Araújo, policial civil do Distrito Federal, ocasião em que o mesmo anunciou o fim da divisão de presos nas unidades, segundo seus vínculos com organizações criminosas, ou seja, iria juntar numa mesma cela, presos de organizações rivais.
Esse discurso ocasionou diversos protestos por parte de organizações criminosas, pois com o fim da separação de presos por facções, poderia haver um grande número de conflitos entre integrantes de facções rivais e um grande número de mortes dentro dos Estabelecimentos Prisionais, o que certamente traria prejuízos financeiros ao Estado, com a concessão de indenizações judiciais para as famílias que perderiam seus entes.
Diante dessa situação, o Estado do Ceará, através da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), transferiu alguns líderes dessas organizações criminosas para Presídios Federais e, como ato de política carcerária, procedeu a desativação de diversas Cadeias Públicas em vários Municípios do Estado do Ceará, prejudicando inúmeras famílias.
Na data de 17 de janeiro de 2019, em entrevista na imprensa, o Governador do Ceará, Camilo Santana (PT), confirmou o fechamento de 67 cadeias no Estado. Aproximadamente 2.804 presos foram transferidos de diversas Cadeias Públicas do Interior para as Unidades Prisionais da Região Metropolitana de Fortaleza.
A desativação dessas Cadeias Públicas fere preceitos importantes da Lei de Execução Penal, notadamente o disposto no art. 103 da Lei 7.210/1984, que diz que cada comarca terá, pelo menos 1 (uma) cadeia pública a fim de resguardar o interesse da Administração da Justiça Criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar. Também fere a Regra 59 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos da Organização das Nações Unidas.
Esse ato do Governo do Estado prejudicou inúmeras famílias, que muitas vezes não possuem condições de visitar seus parentes em locais distantes de seus domicílios. Consta no site da Secretaria da Administração Penitenciária uma lista (https://www.sap.ce.gov.br) de internos transferidos das cadeias desativadas.
Um exemplo. Os presos da Cadeia Pública de Nova Russas foram transferidos para a Unidade Prisional Professor José Sobreira de Amorim, que fica localizada na BR 116 km 17, no Município de Itaitinga/CE. A distância entre o Município de Nova Russas e Itaitinga é de 239 km, o que praticamente inviabiliza as visitas dos familiares que não possuem condições financeiras.
Outro grande problema é que as Unidades Prisionais da Região Metropolitana de Fortaleza já estavam lotadas, antes mesmo das transferências, o que pode acarretar problemas futuros ao Estado. A desativação das Cadeias Públicas no Interior e a transferência dos presos precisam ser revistas pelo Governo do Estado do Ceará, sob pena de prejudicar inúmeras famílias cearenses, que não podem ser punidas pelos atos que seus parentes praticaram e pela situação que está ocorrendo no Estado do Ceará.
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 11.227/MG/ 2001, já decidiu que a princípio, deve ser assegurado ao preso provisório a permanência em Cadeia Pública próxima ao seu meio social e familiar. A respeito das Cadeias Públicas, o jurista Noberto Avena afirmou que a permanência do preso em Cadeia Pública, facilita a participação do mesmo em audiências e outras diligências importantes ao inquérito e ao processo. (Avena, Norberto Cláudio Pâncaro Execução penal: esquematizado/Norberto Cláudio Pâncaro Avena. – 1. ed. – São Paulo : Forense, 2014).
Outra medida tomada pelo Estado do Ceará, através da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), foi a suspensão de visitas, em certas unidades prisionais, até terminar os ataques criminosos por parte de organizações criminosas. Com devida vênia, trata-se de mais um ato ilegal cometida pelo, pois um dos direitos dos presos é a visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados, conforme o inciso X do art. 41 Lei de Execução Penal.
Tanto a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar, notadamente nas Cadeias Públicas, como o Direito de Visitas estão reguladas pela Lei que regula a Execução Penal e o Estado do Ceará tem que observar esses preceitos. Não se pode combater o crime, com medidas ilegais e que ferem o ordenamento jurídico nacional e internacional, a exemplo das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, conhecidas como Regra de Mandela.
Entendo, que essas medidas necessitam ser revistas pelo Governo do Estado do Ceará e pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) e que a Política Carcerária do Estado seja uma política ressocializadora e não simplesmente punitiva.

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