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A queda da Selic e a avalanche na Bolsa. Por Henrique Lyra Maia

Henrique Lyra Maia, Bacharel em Administração de Empresas, Especialização em Administração Financeira e Mestrado em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza, Especialização em Gestão Empresarial pela FGV e Doutorando em Contabilidade e Finanças pela FUCAPE Business School. Sócio da LYRA&MAIA Consultores Associados.

Em meu último artigo fiz uma análise das razões pelos quais a bolsa brasileira poderá operar sob múltiplos de preço/lucro historicamente maiores e  consequentemente as empresas pertencentes ao índice. Naquele artigo, apontei vários fatores que convergiam para uma maior demanda por ativos de riscos, em comparação com uma baixa expansão da oferta desses mesmos ativos no curto prazo.

Nesse novo artigo, pretendo mostrar como a SELIC está de fato empurrando investidores domésticos para a bolsa e que isso está contribuindo para a valorização recente da bolsa, mesmo com um cenário ruim pela frente.

Ao colocar os dados em perspectiva, o leitor pode notar como o investidor Brasileiro tem seu comportamento modificado de acordo com a taxa SELIC. No gráfico a seguir temos a relação entre essas duas variáveis . Em 2002, a bolsa tinha em torno de 85mil pessoas físicas, com taxas de juros média de 19% a.a. Ao longo do tempo, presenciamos uma queda sistemática nas taxas de juros, mesmo que em determinados momentos a SELIC tenha aumentado, a tendência se manteve.

O leitor pode notar no gráfico a seguir que a SELIC seguiu uma tendência de queda entre 2003 a 2009, levando a quantidade de investidores domésticos a aumentar, saindo de 85mil em 2002 para 552mil investidores em 2009. Entre os períodos de 2009 a 2016, tivemos uma SELIC média anualizada que oscilou entre 10%% e 14%, aproximadamente, portanto, nesse período não houve uma tendência específica de queda, mas altos e baixos em torno dessa faixa. A “estagnação” dos juros em torno dessa faixa, fez com que a quantidade de pessoas físicas na bolsa também fosse relativamente “estável”.

No entanto, a taxa de juros iniciou outra rodada forte de queda a partir de 2016, saindo de 14,25% a.a. para 2,25% a.a. com a decisão tomada hoje pelo COPOM, uma queda de quase 85%. Nesse período, a quantidade de investidores explodiu, saindo de aproximadamente 560mil para 2,4 milhões. A correlação entre SELIC e a quantidade de investidores domésticos na bolsa é inversa, atingindo -77% entre 2002 a 2020. Em outras palavras, quando a SELIC cai, o investidor vai para Bolsa e vice-versa.

Foto: Reprodução.

Por quê isso ocorre? Para o investidor doméstico, a taxa livre de risco que ele considera não são os bonds de países desenvolvidos (de baixo risco) e ponderados ao risco país, como geralmente empregamos em valuations de empresas e sim a própria SELIC. Apesar dos custos de transação para realizar investimentos fora do país tenham diminuído pela melhoria da tecnologia, o investidor doméstico basicamente prioriza seus aportes dentro da sua jurisdição. É o que chamamos de home bias, ou seja, o investidor Brasileiro terá uma tendência a investir aqui e não lá fora, mesmo que o risco/retorno lá fora seja mais atrativo que aqui. Além disso, esse investidor utilizará as taxas que ele tem disponível no mercado em que ele atua para tomar decisão, nesse caso, a taxa livre de risco para o investidor doméstico sugere ser a própria SELIC.

Assim, a rentabilidade mínima exigida pelo investidor irá oscilar de acordo com a SELIC, servindo como um teto mínimo para se investir. Se a SELIC estiver a 6% a.a., logo o investidor deverá exigir no mínimo essa taxa e mais alguma coisa – que chamamos prêmio de risco – para se investir em ativos de risco, como por exemplo, em ações. Se ela cai para 3% a.a. e o prêmio de risco permanecer constante, a rentabilidade mínima para se investir em ações caiu três pontos percentuais, portanto, o investidor avaliará a bolsa como “barata” e irá migrar seus investimentos para ativos de risco.

O mais interessante é que o investidor doméstico parece não se afetar tanto com o risco país em seus modelos de valuation como por exemplo os estrangeiros se afetam. Em 2019, o risco país medido pelo EMBI+ girou na média em torno de 2,41% a.a., onde nesse mesmo ano a SELIC média anualizada foi de 5,94%. Com a eclosão do COVID-19, o EMBI+ médio pulou para 3,80% a.a., um aumento de quase 60% no risco país. Mesmo assim a quantidade de investidores pessoas físicas que entraram na bolsa no ano de 2020 cresceu impressionantes 800mil, um aumento de quase 50% em relação ao ano inteiro de 2019. Note que esse crescimento compara os cinco primeiros meses de 2020 em relação ao ano inteiro de 2019.

Em relação aos fluxos financeiros, os investidores estrangeiros tiveram aportes líquidos negativos de aproximadamente R$ 75 bilhões (vendeu bolsa), enquanto que pessoas físicas e fundos institucionais tiveram aporte líquido positivo de R$ 34 bilhões e R$ 36 bilhões, respectivamente (compraram bolsa).
Como pode justificar um aumento expressivo da quantidade de pessoas físicas na bolsa Brasileira ao passo em que o risco país sobe quase 60%? Fica claro que a SELIC influencia bastante o comportamento do investidor doméstico .

Para concluir, quanto menor a taxa SELIC, mais atrativo será investir na Bolsa para o investidor pessoa física, provocando mais fluxos para a renda variável. Por isso, a SELIC em patamares historicamente baixos fará com que a bolsa Brasileira esteja, aos olhos do investidor doméstico, mais atrativa. Com uma SELIC nunca antes vista na história recente do Brasil, os investidores de renda fixa serão motivados a migrar seus investimentos para a bolsa, fazendo com que as ações listadas tenham valorização e operem sob múltiplos historicamente maiores.

Se a queda da SELIC pode ser um grande impulsionador do investidor doméstico na bolsa, caso ela venha subir pode ser também o seu grande algoz. Caso o país seja compilado a subir as taxas de juros para patamares que estávamos acostumados, podemos ter um “ajuste SELIC” da bolsa. Nesse caso, os múltiplos provavelmente serão negociados a patamares menores.


Foi utilizada a SELIC média da SELIC anualizada em cada ano. Veja matéria: https://glo.bo/3hLxFKM 
Apesar do artigo focar na pessoa física, há toda uma indústria de fundos de renda fixa e previdência que tem em seus portfólios somas relevantes de capital aportados na renda fixa, que nesse momento, passa por revisão da suas estratégias.

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