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A nova China de Mao, a velha China de Xi, por Igor Macedo de Lucena

Articulista do Focus, Igor Macedo de Lucena é economista e empresário. Professor do curso de Ciências Econômicas da UniFanor Wyden; Fellow Associate of the Chatham House – the Royal Institute of International Affairs  e Membre Associé du IFRI – Institut Français des Relations Internationales.

Em 2019 se celebra os 40 anos desde que a China e os Estados Unidos estabeleceram relações diplomáticas e no dia 1º de outubro também se celebrou os 70 anos da Revolução Comunista. Apesar das confusões com a Região Administrativa Especial de Hong Kong, o mês de outubro proporciona ao Partido Comunista Chinês oportunidades para elogiar realizações passadas, legitimar o curso que estabeleceu para o país e reunir apoio para os desafios que ainda estão por vir.
Os pesquisadores tendem a creditar as reformas econômicas da China ao líder Deng Xiaoping, além de explicar a sua ascensão meteórica como potência global. Entretanto Xi Jiping e os outros líderes estão mais preocupados em recuperar os primeiros anos da Revolução, quando Mao Tse-tung estava no comando do Partido Comunista. Como Mao, Xi priorizou o fortalecimento do partido, buscou amplificar os valores socialistas coletivos e erradicar os infiéis. Como Mao, que invocou a guerra contra “reacionários nacionais e estrangeiros” para criar sentimentos nacionalistas e solidificar a legitimidade do partido, Xi adotou um refrão consistente falando sobre as ameaças internas e externas não especificadas, mas “onipresentes”. E o mais importante foi que tal como Mao, Xi também incentivou a criação de um culto à personalidade ao seu redor.
Xi reviveu os métodos e símbolos do maoísmo não a serviço de um retorno ao passado, mas a fim de promover sua própria agenda transformadora, que busca garantir que toda atividade política, social e econômica estivessem a serviço da China e dos interesses do Partido. Ele está criando um modelo que reafirma o poder do Partido Comunista, procurando apagar progressivamente a distinção entre público e privado, tanto na esfera política quanto na econômica e busca integrar atores estrangeiros, incluindo empresas privadas, mais profundamente em um sistema de valores e instituições do Partido.
A ideologia do Partido permeia cada vez mais a vida cotidiana na China, estreitando o espaço para a expressão de visões alternativas. O governo censura fortemente a internet, limita o conteúdo de televisão estrangeira, transformou as escolas em “baluartes da liderança do Partido”, punindo os professores por usarem textos não aprovados ou “difamando o governo do Partido Comunista”. Ao mesmo tempo criou mais de 100 institutos dedicados ao pensamento de Xi Jinping e até mesmo os exames vestibulares agora apresentam questões políticas ligadas às campanhas e declarações do líder, algo muito similar ao período de Mao.
O partido reviveu as táticas da era Mao como pagar aos residentes idosos que relatassem o comportamento de seus vizinhos, celebrando publicamente cidadãos-modelo e envergonhando os que não conseguem se adaptar as táticas de Xi.
Em um programa piloto no leste da China as pessoas recebem pontos por doar medula óssea ou realizar outras boas ações, mas perdem pontos por atraso no pagamento de contas ou multas de trânsito. Outros programas penalizam os cidadãos por participarem de protestos. Embora grande parte desse rastreamento e contabilidade seja feita com tecnologia, o objetivo do sistema é desenvolver uma espécie de crédito social que podem dar aos “bons cidadãos” taxas de juros menores em financiamentos públicos ou até mesmo menor tempo de fila em cirurgias do sistema público de saúde.
Xi também está se intrometendo cada vez mais na esfera econômica privada, estendendo o alcance do Partido para não apenas para empresas estatais, mas também nas empresas do setor privado. Ele capacitou comitês partidários em empresas e joint ventures chinesas privadas, permitindo que esses órgãos puramente políticos desempenhem um papel maior no investimento e em outras decisões de negócios. Nas cidades da China, os governos locais também estão despachando funcionários para trabalharem em empresas privadas por até um ano para “ajudar em questões governamentais”. Em sua visão o trabalho de todas as empresas, públicas e privadas, agora deve refletir as prioridades do partido.
Até o final de 2020, as multinacionais estarão sujeitas a uma avaliação baseada em até 300 métricas. Algumas dessas métricas provavelmente refletirão as leis chinesas sobre meio ambiente e segurança do trabalhador. É fácil imaginar, no entanto, demandas mais problemáticas para obter uma boa pontuação de crédito social, como fornecimento de produtores chineses, investimento em regiões menos desenvolvidas ou apoio global aos interesses de Pequim.
Recuperar a soberania sobre Hong Kong e Taiwan é central para o projeto transformador de Xi. Ele declarou explicitamente que a unificação é “um requisito inevitável para o grande rejuvenescimento do povo chinês”. Na sua visão, as barreiras geográficas, econômicas e políticas que separam o continente de Taiwan e Hong Kong são construções artificiais e temporárias. Para quebrá-los e incentivar uma maior integração, Pequim adotou vários incentivos, como benefícios econômicos para as empresas que investem no continente e medidas coercitivas, como interferir nas mais recentes eleições locais de Taiwan em nome de políticos pró-Pequim.
Xi não permitirá que a falta de apoio à sua visão em Hong Kong e Taiwan estrague sua celebração triunfal de 70 anos. Ainda assim, ele deve reconhecer que seu fracasso em ambos os lugares representa o paradoxo final: quanto mais ele abraça o legado político de Mao com a mão-de-ferro de Pequim, menor a probabilidade de ele realizar o sonho chinês de reunificação, tendo em vista as raízes democráticas de Taiwan e Hong Kong.
Caso Xi use a força para alcançar a reunificação, seria o fracasso final pois significaria admitir que o modelo de Xi não é, de fato, uma verdadeira alternativa à democracia liberal.

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