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A inspiração da Constituição dos Estados Unidos, por Igor Macedo Lucena

Articulista do Focus, Igor Macedo de Lucena é economista e empresário. Professor do curso de Ciências Econômicas da UniFanor Wyden; Fellow Associate of the Chatham House – the Royal Institute of International Affairs  e Membre Associé du IFRI – Institut Français des Relations Internationales.

Nos últimos anos, o Brasil vem refletindo sobre a sua constituição e principalmente fazendo comparações com a constituição de várias outras nações, em especial com a dos Estados Unidos da América.
Um texto internacionalmente conhecido por ser curto, sucinto e direto em relação aos direitos e deveres dos cidadãos. Entretanto, uma dúvida que se vê hoje, mediante tantas mudanças constitucionais no nosso país é: Como foi possível criar esse tipo de Carta de uma maneira tão direta e tão focada no âmbito liberal do Estado de Direito, no modo de organização social e nas garantias individuais dos cidadãos?
A origem fundamental sobre como se criou e ratificou a Constituição dos Estados Unidos da América se baseia em um conjunto de artigos escritos e publicados no Independent Journal, no New York Packet e no The Daily Advertiser entre outubro de 1787 e abril de 1788.
Os autores dos chamados Federalist Papers pretendiam influenciar os eleitores a votar a favor da Constituição que se encontrava dentro de um processo de ratificação entre as treze colônias que se tornaram independentes da Inglaterra em 1776. Em um primeiro artigo, eles explicitamente definiram esse debate em termos políticos amplos a importância de se criar uma verdadeira União dos Estados:
            “Observou-se frequentemente que parece ter sido reservado ao povo deste país, por sua conduta e exemplo, decidir a questão importante, se as sociedades dos homens são realmente capazes ou não, de estabelecer um bom governo a partir da reflexão e da escolha ou se estão sempre destinados a depender, por suas constituições políticas, de acidentes e pela força”. 
A visão dos chamados Federalistas era que a razão e a vontade daqueles representantes do povo seriam o grande fio condutor das regras de toda a América, onde o consenso, entre o desejo de muitos, fosse capaz de ser decidido pela política, pelo debate de ideias e pelo respeito de direito dos seus semelhantes.
No momento da publicação dos artigos, os autores dos Federalist Papers tentaram ocultar suas identidades, pois os mesmos participaram da Convenção da Filadélfia e entendiam que a importância da Constituição seria fundamental para assegurar o futuro da União e o futuro da nova Nação. Seus autores foram Alexander Hamilton, John Jay e James Madison.
Em seis meses foram escritos um total de oitenta e cinco artigos e os seus autores se tornaram grandes representantes do povo. Hamilton, um dos três representantes para Nova Iorque durante a Convenção Constitucional, em 1789 se tornou o primeiro Secretário do Tesouro. Madison, que agora é reconhecido como o pai da Constituição, tornou-se um membro importante da Câmara dos Deputados dos EUA pela Virgínia (1789-1797), Secretário de Estado e o quarto Presidente dos Estados Unidos (1809-1817). John Jay, que tinha sido secretário de relações internacionais, Governador de Nova Iorque e foi o primeiro presidente da Suprema Corte dos EUA.
Hamilton, durante a composição de artigos, listou seis tópicos centrais os quais foram abordados para serem debatidos:
“A utilidade da União para a sua prosperidade política”
    “A insuficiência da atual Confederação para preservar essa União”
    “A necessidade de um governo pelo menos igualmente enérgico com o proposto para a consecução desse objeto”
    “A conformidade da constituição proposta com os verdadeiros princípios do governo republicano”
   “Sua analogia com a sua própria constituição estadual”
    “A segurança adicional que sua adoção proporcionará à preservação desse modelo de governo, à liberdade e à prosperidade”
Para os Federalistas, “Nada é mais certo do que a necessidade indispensável do governo, e é igualmente inegável que, sempre que for instituído, o povo deve ceder a ele alguns de seus direitos naturais para investi-lo nos poderes necessários.” Logo, a necessidade de organização social do ponto de vista de uma sociedade autodeterminada era a base da ideia federalista, sendo dessa maneira uma refutação inequívoca aos princípios coloniais definidos pelas potências europeias.
Do mesmo modo, a criação do governo constitucional dos Estados Unidos representava o mais importante ato de poder para legitimar a defesa dos interesses daqueles norte-americanos não somente do ponto de vista político, mas também militar, comercial e internacional. “(Vimos a necessidade da União), como nosso baluarte contra o perigo estrangeiro, como o conservador da paz entre nós, como o guardião do nosso comércio e outros interesses comuns, como o único substituto para os estabelecimentos militares que subverteram as liberdades do Velho Mundo e como o antídoto adequado para as doenças das facções, que se mostraram fatais para outros governos populares e cujos sintomas alarmantes foram traídos por nós mesmos”.
Os Federalistas, ao contrário dos anarquistas ou daqueles hoje considerados Libertários, entendem que direitos civis são adquiridos com a renúncia de direitos naturais, mas ao mesmo tempo, a manutenção e a segurança desses direitos só podem ser asseguradas segundo a necessidade “…de haver entrelaçado, no quadro do governo, um poder geral de tributação, de uma forma ou de outra”.
Uma das mais importantes definições federalistas sobre o governo e sobre o poder é a preocupação com o poder exacerbado, o poder estatal que pode se tornar uma tirania quando não se põe limites àqueles agentes detentores de poder, demonstrando assim as primeiras teorias sobre o princípio de Checks and Balances, pois “A acumulação de todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário, nas mesmas mãos, seja de um, poucos ou muitos, seja hereditária, nomeada ou eletiva, pode ser justamente pronunciada a própria definição de tirania”.
Em uma época onde governos e políticos são contestados, a lição que os federalistas nos ensinam até hoje é a importância de um governo baseado em princípios como república, poder constituído, representantes eleitos, defesa de interesses nacionais e respeito aos direitos individuais que não devem ser dados como certos e devem ser diariamente defendidos pelos cidadãos, pois infelizmente é observável em diversas nações o repúdio aos mais basilares princípios federalistas, visando substituí-los pelo autoritarismo e pelo populismo. 
“Você deve primeiro habilitar o governo a controlar os governados; e, em seguida, obrigue-o a se controlar”.
James Madison, The Federalist Papers (1788)

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