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A ingovernabilidade

Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

Por Rui Martinho
rui.martinho@terra.com.br
O Estado provedor chegou com força. Veio para ficar. Países desenvolvidos, nos quais a maioria da população participa da prosperidade, financiaram uma assistência social dadivosa. A maioria afortunada financiou a assistência da minoria excluída. O aumento de custos de serviços de saúde, o alongamento da longevidade e o incessante aumento das aspirações humanas, sempre reivindicando mais, resultaram, até nestes países, na crise fiscal do Estado do bem-estar.
Nós temos uma minoria próspera e uma larga parcela, senão a maioria da população, vivendo na pobreza. A nossa dinâmica demográfica rapidamente está envelhecendo a nossa população, antes de alcançarmos o padrão de desenvolvimento dos países que adotaram as práticas do Estado provedor. A CF/88 optou pelo bem-estar. Só faltou proibir a morte, para que todos os brasileiros fossem imortais. A viabilidade da promoção da felicidade geral, quando questionada com base na chamada “reserva do possível”, obtinha como resposta o argumento da inexigibilidade das normas de natureza programática. Isto é: o texto constitucional promete o céu, mas não agora. É apenas uma declaração de intenções, um programa indicando os rumos que a nação pretende trilhar.
Depois a argumentação mudou. Passamos a ouvir que constituições não abrigam palavras vãs. Logo, todas as suas normas seriam dotadas de exigibilidade. Repudiou-se a reserva do possível, substituindo-a pelo voluntarismo manifesto na declaração segundo a qual “só falta vontade política”. Diante da tendência para o alargamento incessante das demandas Norberto Bobbio (1909 – 2004), na obra “A era dos direitos”, manifestou temor diante do que considerou a maior ameaça às democracias: o excesso de demandas.
Déficit fiscal; crise da previdência; falta de investimentos; baixa produtividade; falência dos serviços públicos, com destaque para os setores de educação, saúde e segurança pública; tragédia do sistema prisional; mobilidade urbana; saneamento são algumas das demandas com as quais o novo presidente irá se defrontar. Faltam recursos. Sobram necessidades e aspirações. Candidatos se dividem entre os que negam a crise fiscal, substituindo-a por uma simples auditoria da dívida e imposição unilateral dos termos do entendimento com os credores, alegando, talvez, os chamados poderes exorbitantes do Estado nos contratos administrativos. O outro lado, os que admitem a existência da crise fiscal, mas prometem resolvê-la rapidamente e com facilidade, atraindo investidores ao transmitir confiança. Ambos estão errados. O excesso de demandas e o desprezo pela reserva do possível, somados a escolhas irracionais, criaram uma situação muito mais complicada. Não será fácil formar uma base parlamentar para a adoção das medidas amargas sem as quais a crise não será resolvida. As corporações e as lideranças parecem cegas, insistindo em trilhar o caminho das promessas irrealizáveis, ao gosto do eleitorado. A sociedade, por sua vez, acha, com fundadas razões, que já fez sacrifícios demais por muito tempo. O vaticínio de Bobbio começa a adquirir cores de realidade. A governabilidade está ameaçada.

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