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A extinção de uma espécie. Por Angela Barros Leal

Ao meio de tantas notícias, de tão incessante bombardeio de novidades, no emaranhado desse mundo de informações que nos chegam, diariamente, aos olhos e ouvidos, não sei se vocês perceberam o insidioso e não tão discreto ataque a um elemento fundamental para nossa comunicação: o lento desaparecimento das vogais.

Assim como o mico leão dourado, o rinoceronte de Sumatra, o tigre do Sul da China e o pinguim africano, as vogais estão sumindo aos poucos da nossa língua portuguesa. É bem possível que tal fato não se dê em outros idiomas de origem diversa da nossa, como é o caso da língua croata, por exemplo, apinhada de consoantes, tal e qual uma multidão impenetrável de curiosos em volta de um acidente (“prst”, para nomear dedo; “tvrd”, representando o termo difícil), sem uma única vogal, solitária que seja, para contar a história. 

Ou como no idioma polonês, no qual as vogais são escassas (“dziewczyna”, para escrever menina; “czytac”, para o verbo ler, conforme encontro no Google translator) ou estão camufladas em consoantes (letra J agindo como a letra I; letra R agindo como uma inesperada vogal).

Tão essenciais, as vogais, e tão peculiares, deixando nossas bocas em um jato de ar – A, E, I, O, U –, provindas unicamente da força de nossos pulmões, em um sopro desobstruído da participação dos lábios e da língua, sons acomodados em simples movimentos palatais, velares e centrais, aparentemente tão indispensáveis aos vocábulos que escrevemos ou enunciamos.

Sei bem que existem aqueles idiomas nos quais as vogais predominam, como é o caso do holandês, agregando os fonemas em forte amizade para compor palavras e verbos como “draaien” (girar), “groein” (crescer), “mooi” (bonito), minimizando o apoio das consoantes. 

São elas os primeiros ruídos que emitimos, ainda no berço: os As e Es soando como deve ter soado a comunicação rudimentar entre nossos ancestrais não falantes, os Os e Us sem significados, porém dotados do poder de emocionar pais e parentes, que ali já percebem o germe de futuros e gloriosos pronunciamentos. E não esqueci, é evidente, a marcante linha melódica dos baianos festivos, na batida compassada das vogais em dupla, os Aês estrondosos, os Eôs ressonantes, prestigiando esses fonemas como nunca feito antes –, inúteis embora para contribuir no fortalecimento das cinco preciosas letrinhas.

Pelo que vemos, a tecnologia feriu de morte as vogais, e não vejo manifestações, nem cartazes, nem movimentos coletivos demandando sua preservação. A pressa na digitação em nossos aparelhos celulares, a superficialidade da leitura na tela, a imposição de um dado número de caracteres, se configuram como alguns dos mais cotados suspeitos dessa sentença de morte (ou “smrt”, como escreveriam os croatas). 

Lembro que os antigos igualmente abreviavam, em seus documentos manuscritos, uma série de palavras (Antº por Antônio, por Maria, Jqm para simplificar Joaquim), em especial os longos e indispensáveis pronomes de tratamento (V.M. no trato com reis e imperadores, V.Ex.ª no lidar com as altas patentes, V.Em.ª  para se dirigir às autoridades da Igreja). No entanto, as consoantes mantinham seu prestígio e importância.  

Não falo também da abreviação proposital nas siglas (OEA, EU), mas dos termos usuais de nossa interação com familiares e amigos, aumentada em contatos porém reduzida em vogais. Hoje, beijo encolheu para bj, dispensando sem dó um tríduo importante delas. O advérbio também involuiu para tb, fechando-se em si mesmo como um caracol em sua casca. O fim de semana contraiu-se para um mero fds, guardando em restrito abrigo o sol, a praia, a cerveja, a confraternização de família e amigos.

Quem diria que, algum dia, o orgulhoso pronome demonstrativo mesmo seria rebaixado a msm. Que o pronome indefinido qualquer enxugaria para um mero qqr. Que o nobre pronome de tratamento você murcharia para um indiferente vc. Mas é assim mesmo. São as inovações e caprichos dos tempos. É a evolução natural da linguagem, e frente a ela precisamos nos curvar.

Por isso digo, em breve mensagem, que pelo menos estamos juntos no movimento, no qual boto fé e pelo qual intercedo, por favor, para que tudo resulte em muita verdade e beleza. Dizendo melhor: em breve msg, plmns tmj no movimento, no qual btf e pelo qual intercedo, pfv, para que td resulte em mt vdd e blz. (rsrsrs)

 

Angela Barros Leal é jornalista, escritora e colaboradora do Focus.jor.

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