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A era da autoestima. Por Rui Martinho

Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

A periodização histórica expressa com ênfase a importância de alguns fatores. Eric J. E. Hobsbawm (1917 – 2012) assinalou certos aspectos históricos. Os títulos de seus livros, como “A era do capital” e “A era das Revoluções”, sugerem a importância destes fatores. Momentos históricos têm muitos componentes. Examinar um deles não é apresenta-lo como o mais importante do conjunto. O mundo está conflagrado. A guerra de todos contra todos, de Thomas Hobbes (1588 – 1679), parece real. É enorme a constelação de fatores (metodologia de Maximilian K. E. Weber, 1864 – 1920) envolvidos na exacerbação de ânimos. Examinemos a ênfase dada ao problema da autoestima.

Tradições culturais, religiosas e filosóficas não estimulavam a autoestima. Alguns críticos consideram a tradição judaico-cristã repressiva. A autoestima seria prejudicada por ela. O homem é declarado mal em gênesis, 8;21, onde lemos que “…a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice…”. A carta de Paulo aos romanos, 3;23 diz: “porque todos pecaram e destituídos estão da gloria de Deus”. Estas palavras não concorrem para inflar o ego, digo, a autoestima. Os críticos esquecem que todas as tradições milenares, das diversas confissões religiosas, têm um código moral incriminador de certas condutas. A falta destes códigos contribui para definir o trato com o sobrenatural como magia, distinguindo-o das religiões. A tradição judaico-cristã tem no seu código moral, um dos poucos pontos comuns com as demais tradições confessionais, embora seus aspectos singulares sejam pouco reconhecidos. René Girard (1923 – 2016), assinala a singularidade do cristianismo. A graça que conforta, sem a soberba da autoestima é singular.

Algumas correntes filosóficas não inflavam a autoestima. Hobbes via no homem o lobo do homem e propunha o Leviatã, domador forte, para conter sua ferocidade. Não temia melindrar a autoestima. A vitimização do transgressor encontra arrimo na autoestima. Há fatores que realmente vitimizam pessoas. A superação das desvantagens, porém, exige a percepção lúcida da realidade, resiliência e perseverança. Reconhecer condições desfavoráveis e injustas não se confunde com a estimulação da autoestima. Bastam as garantias democráticas. O homem é guiado por pulsões inconscientes, influenciado pela recompensa, preocupado com a sobrevivência individual e da espécie, ameaçado pelo desamparo. Esta é a visão da Psicanálise, que não descreve uma natureza humana bela.

A tendência para estimular a autoestima é contemporânea da fragilização do associativismo. Parentesco, grupos de vizinhança e grupos confessionais tornaram-se descartáveis. A secularização e o desencantamento do mundo, ou “desmagificação”, ao desmistificar o sagrado ensejou a banalização de tudo, confirmando as preocupações weberianas. O ego inflado pela autoestima trouxe a intolerância, a hipersensibilidade agressiva e o desprezo pela normatividade social seja ela costumeira ou legal. Aplauso, aprovação e até patrocínio ganharam status de direito exigível contra terceiros. A crítica do outro, a liberdade de consciência e de expressão tornaram-se subordinadas a autoestima de alguns, que são “mais iguais”, que podem submeter a autoestima do outro, havido como preconceituoso ou até como fascista. É a fórmula da guerra de todos contra todos. Falta a compreensão humilde das próprias imperfeições. O culto ao próprio ego é um fator antissocial que só convém aos pescadores de águas turvas.

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